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quarta-feira, 27 de junho de 2012

O algoz da execução à forca de Antonio Congo em 1846


Há tempos relatamos nesta folha a existência da forca e a execução de Antonio Congo em nossa terra no ano de 1846. Completando hoje o nosso estudo, damos a seguir a descoberta que fizemos, pela leitura das “Ephemerides Mineiras”, de José Xavier da Veiga, vol. III, pagina 114, edição de 1897, que foi o carrasco Fortunato o algoz dessa execução, cujo traço biográfico é o seguinte:
“Fortunato José era natural da freguezia de Lavras, escravo de João de Paiva, cuja viúva- d. Custodia- criou-o com bondade e carinho. Esse tratamento, generoso, quasi maternal, não impediu que se tornasse de mãos instintos, ingratos, entregando-se cedo ao jogo, a embriaguez e a outros vícios. Admoestado frequentemente, mas com brandura, por sua Senhora, criou-lhe ódio, e um dia enfurecido, prostou-a morta com bordoadas. Foi isso em 1833, tinha então 25 annos o miserável, predestinado a vida medonha e abominável”. Assim, “Preso, julgado e condenado a morte, recolhido a cadeia de Ouro Preto, foi a pena comutada na prisão perpetua de acordo com ele com a obrigação de servir de algoz em Minas a outros miseráveis condenados a forca”.
Fortunato dizia-se “empregado publico” no seu oficio de executor da justiça. Falava que as primeira execuções lhe repugnaram, principalmente se eram mulheres que ia enforcar. Quanto aos homens ficou habituado logo e cumpria essa obrigação insencivelmente.   
“Contava sempre que, de ordinário, os sentenciados revoltavam-se contra os sacerdotes que buscavam suavisar-lhes os tristes e últimos momentos”.
Dizia mais “que, nos oficio dormia em comum com os demais presos, inclusive aquele que tinha de enforcar. Mas, certa vez, estando na cadeia de Pitanguy, um desses sentenciados a morte deu-lhe, durante o sono profundo das navalhadas, desde então ficou sempre separado dos presos condenados a morte”.
Tudo isso contava esse negro boçal, como diz Xavier da Veiga, no seu cinismo inconciente, afecto ao mais repugnante e hediondo viver, falando indiferentemente dos próprios atos, com jatancia mas sem vexame.
Notava que devendo o “emprego” ser-lhe rendoso pagavam-lhe mal.
“Fortunato era alto, musculoso, ainda forte em 1877 quando morreu, apezar dos seus 69 anos, dos quaes 44 de prisão, passou na cadeia de Ouro Preto grande parte, onde faleceu, após ter realisado 87 execuções judiciária” durante sua própria vida, até 1874, época em que foi abolida a pena de morte no Brasil, conforme relação que fornecera ele próprio.
Queixava-se no fim da vida, de reumatismo.
Dizia que “se obtivesse a liberdade iria viver socegado em algum canto”.
Segundo o seu relato exerceu seu horroroso oficio em 29 localidades de Minas e duas na Província do Rio de Janeiro, em cuja sombria resenha de suas execuções está uma única em Pouso Alegre.
Basta considerar que a pena de morte foi extinta em 1874, sendo que durante todo seu vigor Fortunato foi o único algoz oficial de Minas. Morrendo nesse posto em 1877, antes ele relata as 87 execuções feitas em diversas localidades mineiras, onde conta uma em Pouso Alegre.
Diz Xavier da Veiga: “Fortunato era acusado de ter enforcado seus pais em S. João del-Rei, ele protestava dizendo que taes execuções foram feitas por seu antecessor Antonio Rezende e todas demais execuções desde 1833 em Minas foram feitas por ele”.
Essa declaração por si só, nos convence de ter sido a execução de Antonio Congo a única feita em nossa terra, sobretudo quando sabemos que só as vilas podiam ter forca, e esta só apareceu aqui (depois da criação da Vila em 13 de outubro de 1831) em 4 de janeiro de 1835 quando se instalou pela primeira vez o júri de sentença, de acordo com a lei que o criava nos municípios.
Estas são finalmente as noticias sobre a lúgubre existência aqui vindo em 1874, a requisição do Juiz Municipal Julião Florencio Meyer, por intermédio da Câmara, para esse triste mister, ganhando apenas 1$021 reis por essa execução, conforme autos findos existentes no cartório crime desta cidade.
Assim, unicamente devido a abominável lei da pena de morte de tão triste lembrança, como bem disse Xavier da Veiga: “esse miserável, esse desgraçado, esse prescrito anônimo das alegrias e da luz!... tinha também uma alma obscurecida pela ignorância, pela fatalidade de um instinto irreprimível, foi se enegrecendo progressivamente cada dia internando-se mais e mais na zona tenebrosa, supremamente infeliz no seu irremediável destino”.
De quase meio século de cárcere e de objeção incomparável um oficio sinistro! Que ainda se fala em restaurar no Brasil.

Extraído do Jornal “A Cidade” 05/05/1936, p. 2, por Eduardo Amaral de Oliveira
*Escrito como no original

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