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terça-feira, 5 de junho de 2012

O “Louco de Pala”


-Meu filho, se você fizer outra arte eu chamo o “louco de pala”. E, ante essa terrível ameaça de nossos pais, virávamos, pelo menos naquela hora, no  mais humilde cordeirinho.
O “Louco de Pala” aparecia de quando em vez, em Pouso Alegre. Vinha lá do lado da Estiva, com aquele enorme pala no ombro, fizesse frio ou calor. Era o terror da garotada. Chamava-se Domiciano, mas ninguém queria saber disso. Apesar de furioso, somente atacava quando insultado. Quem gritasse “Peixe Frito” podia passar cebo nas canelas por que ele vinha em cima e, se alcançasse o infeliz, o pau descia sem dó nem piedade. Mas... quem resistia a tentação de, ao vê-lo, não tomar uma regular distância e dizer: “Peixe Frito”!?
Um dia tivemos uma noticia alviçareira para todos: o Domiciano fora morto por uma assombração lá para as bandas do Mato Seco, na Fazenda Grande. Arre! Nunca u’a morte fora tão bem recebida e tão festejada. Cada garoto que se encontrava com outro perguntava logo: “Você já sabe? O Domiciano morreu no Mato Seco”! Agora sim estávamos livres de qualquer ameaça... dos nossos pais. Não tinha mais o “louco da pala”... mas... (em tudo na vida tem um “mas”) uma tarde, quando o sol rebentava mamonas, e nós disputávamos uma “pelada” entre Rua do Brejo e Rua dos Coqueiros, o nosso goleiro ficou verde... branco... furta-cor... deixou a pelota passar-lhe entre as pernas, o que seria hoje um “frango”. Ele nada dizia, mas poude apontar com o dedo lá para o lado da linha e, então, vimos, horrorizados, encostado na venda do Rezende, com o seu pala e seu porrete, nada mais, nada menos, que o Domiciano, “o louco de pala”, com quem nem o “corpo seco” do Mato Dentro havia podido. Um espírito de porco, usando e abusando de todas as forças dos seus pulmões, berrou: “Peeeeixe Friiiito”!... e, até hoje, ainda esta por decidir a superioridade do futebol entre as Ruas do Brejo e Coqueiros, porque o Domiciano invadiu o campo e distribuiu pauladas com gosto, nem se incomodando em ir ao encalço dos que fugiam, pois o que restara ali deu para ele se divertir bastante...
Em 1915 vi o Domiciano pela ultima vez. Estava velho e alquebrado. Chamei-lhe, na “lata”, de “Peixe-Frito” e ele nada poude fazer. Estava cançado demais para suspender o porrete... e o peso do seu pala já era muito para si... Para onde teria ido depois?

*Extraído do Jornal “A Cidade”, 30 de Janeiro de 1949, José Ribeiro da Costa.  

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