Assim o escritor pouso-alegrense Amadeu de Queiroz
(1873-1955) descreve a terra onde nasceu no final do século XIX:
“Entendia-se Pouso Alegre espalhada no dorso das três
colinas que descem longamente do norte e morrem nas ribas tortuosas do Mandú.
No tope da colina central, dominando a paisagem , ficava o cemitério com suas
taipas caídas em muitos lances, carcomidas noutros, onde os túmulos enegrecidos
se escondiam, sem epitáfios, no matagal das ervas bravas. (...).
Logo abaixo do cemitério, em chão
escavado, erguia-se a capelinha do morro, com o seu cruzeiro de pau fincado num
monte de pedras. (...); terreiro de alegria das crianças que corriam, saltavam
e rabiscavam nas paredes da capela, onde os grandes também deixavam lápis,
nomes, versos, queixumes, uma ou outra palavra torpe.Morro abaixo, estendiam-se
sucessivamente a extravagante e tortuosa Rua do Morro, o Largo do mercado e o
da Matriz, deserto de gente, arborizado de cinamomos e casuarinas, formando uma
aléia ramalhuda, fechada ao fundo pela velha igreja de taipas. Lá se levantava
o cruzeiro sombrio, fincado na terra, onde os penitentes da roça depositavam as
pedras votivas que conduziam na cabeça, acompanhando procissões. Depois a Rua
do Imperador, o Largo da Cadeia, e daí por diante, até à margem do rio,
desalinhada e agreste – a Rua da Ponte.
À esquerda e á direita, corriam
paralelas, outras duas apertadas ruas, com casas de um só lado, casas antigas,
de paredes lisas e caiadas, enfrentando os muros irregulares do fundo dos
quintais do Largo, cada um com o seu desengonçado portão. Como estas, as outras
ruas e travessas aparentavam abandono: cobertas de capim e de mato, sulcadas de
trilhos por onde se transitava, ou cortadas pelo rastro areento das enxurradas.
(...)
Na direção do sul, dilatava-se o vargedo
do Mandu, geralmente chamada Vargem, logradouro municipal, pastagem pública
onde se apascentavam confundidas as vacas da comunidade. (...)
Mais que gente, andavam os animais pelas
ruas e praças de Pouso Alegre. Mulas e cavalos querenciados subiam da Vargem
para o povoado, onde se espalhavam pastando o verde das ruas e becos
desabitados; cabras domésticas se ajuntavam no adro da igreja, à sombra
estendida das paredes; galinhas e, às vezes, porcos revolviam o lixo das casas
despejados pelos portões dos fundos. (...)
A paisagem campestre dos arredores, as
aves, frutas, flores, ervas e a criação, nos mantinham em contato íntimo e
permanente com a natureza, enlevados na plantação; por isso não nos passava
pela mente vender as frutas, nem as ervas, nem as flores: tínhamos por costume
a espontânea cortesia de mandá-las de presente aos nossos vizinhos, aos amigos
e aos parentes. (...)
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