Pelo disposto desse legado, em falta de outros informes que prove a sua
construção anos anteriores, verifica-se que a primitiva Capela do Rosário
estava sendo construída naquele ano no então arraial de Pouso Alegre, e graças
a tão generosa dádiva poude dar andamento ao início de suas obras.
Além dessa dádiva outras mais se sucederam, e a sua construção foi muito
demorada, visto depender sempre de inúmeros auxílios. Ainda a esse respeito
declara a cópia do testamento de Ana Tereza de Carvalho, feita em 29 de maio de
1826 em Pouso Alegre e que se acha transcrita também no citado livro de óbitos
da Catedral, às páginas 152, verso, que diz: “deixo para as obras do Rosário 4$”. Dois valiosos documentos esses
afirmativos de que jamais haveriam de arrefecer aqueles tão vivos sentimentos
de fé que fizeram surgir em 1799 a Capela do Senhor Bom Jesus nesta localidade
e que mais tarde, em 1810, se transformaria em Matriz da Freguezia de Pouso
Alegre, vulgarmente denominada do Mandu onde se prosseguia no ano da graça de
1823 a construção da Capela da Senhora do Rosário que, mais tarde se
transformaria provisoriamente em Matriz da Freguezia para maior gloria de sua
existência e de sua historia.
Realisou-se destarte o inicio das obras da Capela, muito embora para ser
ultimada a sua construção, através de anos sucessivos, tivesse recebido
seguidamente dádivas do povo.
A sua edificação parecia a principio um exagero e uma espécie de luxo do
povo em querer possuir mais uma igreja no arraial. Entretanto, ao contrario,
não tendo sido esses os seus fundamentos de origem, a sua construção dependei
principalmente da devoção não só dos homens de cor como de toda a população da
Freguezia, muito embora nessa época dominasse o espírito de classe tal como
estava dividia a sociedade local, quiçá como em todo paiz, em senhores e
escravos, pois a verdade é que toda população concorreu para a sua edificação.
E foi por força da fé viva religiosa dominante e o espírito de
associação dos homens de cor de então que se conseguiu a construção dessa
igreja.
Nada mais natural que os miseráveis e infelizes escravos
pousoalegrenses, tivessem a sua igreja a exemplo de toda Minas e, coligados,
para o mesmo fim, de migalha em migalha edificassem com o auxilio de seus
senhores no antigo largo da Alegria, praça deixada em aberto pelo Padre José
Bento, vigário de então, no lugar chamado Rancho, em Pouso Alegre, hoje Parque
Municipal, á Praça João Pinheiro, com a intenção de se construir ali a Capela
do Rosário com essa invocação, dedicada á Santa Tereza Protetora de sua classe.
Tal milagre e prodígio, fruto aliás cujo colaborou a fé de todos os pousoalegrenses
que, conjugados, escravos e senhores, conseguiram levantar ali esse templo que
é de grata memória para a historia de emancipação de seu solo, sobremodo porque
reconheciam todos iguais parente de Deus. Eis o móvel magnífico de seu triunfo
e o segredo primordial de sua construção.
Fora edificada de fato na esquina da rua que se chamou, por isso, do
Rosário, hoje D. Nery, com a atual Tiradentes, em conhecida vulgarmente hoje
por parque, na praça legalmente denominada João Pinheiro, um dos mais agraciados
pontos de recreio da cidade, o antigo largo da Alegria, hoje transformado num
ótimo Horto Florestal da cidade, cheio de arvores e pássaros, fazendo inveja a
muitas cidade.
De feitio simples, com frontespício de chalé, a Capela do Rosário, tinha
em frente, nesse largo denominado outrora da Alegria, um grande Cruzeiro de
madeira de lei, eregido onde está hoje precisamente a Padaria Alemã, tendo em
volta de seu pé um patamar de pedras toscas e soltas, cujo local ainda
alcançamos. Á sua historia esta ligado num fato relevante da historia da
cidade, pois, foi ali, que, em 6 de Maio de 1832, o Dr. Francisco de Paula
Cerqueira Leite por comissão do Ouvidor da Comarca do Rio verde da Vila de
Campanha da Princeza, de conformidade com as ordens expedidas pelo Exmo.
Presidente em Conselho da Província e da Resolução da Assembléa Geral
Legislativa de de 13 de outubro de 1931, levantou o pelourinho de sua
emancipação municipal.
Esse ato, celebrado naquele dia com todas as solenidades do estilo em
presença de grande numero de cidadãos, provocou demonstração de alegria e
contentamento em todos que repetiram vivas á religião Católica, a Assembléa
Legislativa, a sua Majestade o Imperador Pedro II e a Regência. O relato desses
acontecimentos, segundo o termo aberto á pag. 1, que descobrimos transcrito no
auto avulso referentes esses fatos e existentes no Arquivo Publico Mineiro,
consta do ato de levantamento do pelourinho
mais atos praticados nesse dia da instalação da Vila de Pouso Alegre.
Sobre o que se refere acima, o auto de ereção da Vila de Pouso Alegre
nada diz quanto a discrição do referido pelourinho.
Na mesma data em que publica o alvará, faz Cerqueira Leite erguer o
pelourinho no Largo do Rosário e, tal como foi lavrado na ocasião, reza o auto:
“com a solenidade do estilo no lugar onde
se considerou mais próprio e a como do, e justamente vem a ser no Largo da
Alegria da dita Vila, defronte a Igreja do Rosário”.
Assim o pelorinho da Vila foi erguido nesse largo por ser este um dos
logares mais públicos da povoação e por ter uma Igreja o que fizera preferido
aos outros, conforme determinava a lei antiga.
Ficando nesse local entre a Igreja e o Cruzeiro, ele devia ter
consistido apenas em um posto de madeira de lei, tal como geralmente eram todos
os pelourinhos em todas as vilas do Brasil naquela época, como muito bem
explica Salomão de Vasconcelos em seu trabalho: “O pelourinho de Mariana”, publicado em 05 de junho de 1939, em
Belo Horizonte.
Posto ali a principio como marco simbólico da jurisdição municipal,
servindo também, tempo depois, como instrumento de suplicio onde eram amarrados
e expostos para serem acoitados os negros cativos e criminosos sem nobreza,
servindo ele mais tarde como tribuna de onde se publicavam as sentenças a que
estavam condenados, os escravos, principalmente as condenações a pena de morte,
o qual desapareceu para sempre em 1850 quando esta pena foi extinta no Brasil.
Dele partiam os condenados levados pela justiça e carasco, para que
serem executados na Forca existente no alto do Cemitério Velho da cidade, onde
está hoje a Cruz de Ferro, a vista curiosa do povileo.
Foi certamente nesta coluna que esteve amarrado, algemado, Antonio
Conego, em 1° de Julho de1846, para ouvir sua sentença de morte, lavrada e
executada por Julião Florencio Meyer, juiz municipal de outrora, e foi
finalmente na Capela do Rosário que ele recebeu os últimos sacramentos da
Igreja onde confessou e orou pela ultima vez em sua vida, para em seguida ser
levado pela justiça de Pouso Alegre até o morro das Cruzes, próximo do
Cemitério, onde foi entregue ao Carrasco Fortunato por quem foi executado
naquele largo a vista estupefato do povo que atônito assistira aquele ato de
justiça humana.
Da há muito desaparecido daquele local, esse pelourinho deixará apenas o
Cruzeiro colocado a sua frente que até há bem poucos anos ali existiu, vindo a
desaparecer também para sempre por volta de 1908, quando da feitura do atual
Parque Municipal, tempo em que não mais existia igualmente a Capela. Tal como
aconteceu com o pelourinho, antes de 1889, por ameaçar ruínas, visto ser um
prédio de paus a pique, foi demolida a antiga Capela do Rosário de que por
muitos anos existiu naquela praça, conforme atesta o termo de visita diocesana,
lavrado nesta cidade por D. Lino, em 23 de setembro de 1889, e que se acha
registrado no livro de tombo existente no arquivo Diocesano deste Bispado e
aberto naquela ocasião pelo Revmo. Vigário encomendado da Freguezia Conego
Vicente de Melo Cézar, dizendo apenas existir ali os alicerces para uma nova
igreja nessa praça.
A demolição da Igreja do Rosário foi resolvida de fato em 28 e 29 de
abril de 1878, em reuniões da irmandade, realisadas na Igreja as 4 horas da
tarde daquelas datas e presididas pelo Ver. Con. Barnabé José Teixeira, estando
presentes a ela os Drs. Eduardo Antonio de Barros, Paulino Cirilo Leão da Silva
e os irmãos: Antonio e Joaquim Gomes Teixeira, o Capitão Candido Antonio de
Barros e Francisco Machado de Andréa. Reunidos estes se constituíram em
comissão deliberadora e realizadora da obra da então e futura “nova Capela que
seria edificada no centro do terreno em aberto que se acha em frente a casa da
Sra. D. Honoria Ferreira e Silva e no alinhamento de sua casa na Rua Tiradentes
com frente para o Largo do Rosário e bem assim que esta seja feita de adobes,
travamento de madeira e sobre alicerces de pedras.
É o que consta no I livro do inventario Geral da dita Igreja pertencente
ao Arquivo Paroquial da Catedral, as págs.15, tal como quiz a citada comissão
justamente no cento do terreno onde se acha a atual Igreja do Rosário,
assentaram-se alicerces de pedra dos quais em 1889 dera noticia D. Lino e sobre
os quais se construira, mais ou menos, por volta de 1906, outra igreja que veio
a cair.
A antiga Igreja dedicada a N. Sra. Do Rosário pertencia aos homens de
cor, mas a sua administração estava afeta ao vigário de Pouso Alegre e as
pessoas gradas do lugar. Era um edifício modestíssimo e sem outro valor que o
de atestar os sentimentos religiosos e a boa vontade de seus edificadores, como
faz certo Bernardo Saturnino da Veiga, em seu magnífico Almanaque Sul Mineiro,
as pag. 223, o primeiro e verídico historiador da cidade.
Era um edifício de paus a pique, baixo, em forma de um chalé, em cuja
ponta de seu ângulo havia uma cruz singela, com duas varandas laterais em meia
água, presas quasi ao seu telhado, tendo três portas, uma de cada varanda,
todas elas dando ingresso para o corpo da igreja. Do lado esquerdo, na varanda
e pelo lado de fora, havia tosco e simples, um senheiro pregado da madeira em
mão francesa. Dentro da nave nenhuma obra de arte havia de apreço e notável
relevo arquitetônico, senão muito singelicamente adornado o trono da Senhora do
Rosário, altar-mór de algum lavor em ouro.
A partir de 1849, mais ou menos, essa igreja, não obstante ser um templo
pequeno, modestíssimo e simples, serviu de Matriz da Freguesia em virtude da
construção na nova matriz que se “principiava a construir atraz da Matriz
existente”, como relata as atas das sessões extraordinárias da Câmara Municipal
de 11 e 26 de Setembro de 1849. Esta igreja que se principiava a construir e de
que falam as atas supras era a atual Catedral edificada atraz da velha Matriz
da Freguezia, a antiga e primitiva Capela do Mandu, que foi ereta em 1799,
servindo desde o inicio do Arraial como igreja mãe, e foi demolida somente
depois de iniciada a construção da nova igreja- a atual Catedral de Pouso
Alegre. E foi por isso que a igreja do Rosário funcionou por muitos anos como
matriz da Freguezia de Pouso Alegre.
Prova-se esse fato pela ata da 6ª Sessão Ordinária realisada em 16 de
outubro de 1856, pela Câmara Municipal, em que “manda o fiscal concertar as
ruas de Santa Rita (hoje Afonso Pena), e Rosário (hoje Dom Nery), antes das
chuvas, mormente onde se acha a Igreja do Rosário servindo de matriz”. Esteve
essa igreja funcionando como Matriz da Freguezia até 24 de Dezembro de 1857,
data em que se deu a inauguração da nova Igreja Matriz, a Catedral de hoje, que
foi benta naquela data pelo vigário Cônego Barnabé José Teixeira.
Assim, a respeito da Igreja do Rosário, insistimos em que ela tenha
representado um fato de alta significação para a historia administrativa e
religiosa da cidade porque perante ela se celebrou o ato oficial da elevação de
Pouso Alegre a Vila e ali que se erigiu o pelourinho- marco oficial de nossa
existência municipal, tendo servido como Matriz da Freguezia.
Recordar a sua existência é recordar as congadas, organisadas pelos
escravos da cidade, relembrando também as cavalhadas que se faziam anolucente
ali e onde tomava parte toda a população de Pouso Alegre de antanho, nos dias
festivos consagrados a Nossa Senhora do Rosário, reviver, pois, a historia
dessa igreja é relembrar enfim que ela deu nome a uma grande área urbana da
cidade.
Extraído
do Jornal “Gazeta de Pouso Alegre” 26/11/1916
*Escrito
como no original
Paque Municipal e Largo do Rosario- 1918 Acervo do MHMTT |
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