Há tempos relatamos nesta folha a existência da forca e a execução de
Antonio Congo em nossa terra no ano de 1846. Completando hoje o nosso estudo,
damos a seguir a descoberta que fizemos, pela leitura das “Ephemerides Mineiras”, de José Xavier da Veiga, vol. III, pagina
114, edição de 1897, que foi o carrasco Fortunato o algoz dessa execução, cujo
traço biográfico é o seguinte:
“Fortunato José era natural da freguezia de Lavras, escravo de João de
Paiva, cuja viúva- d. Custodia- criou-o com bondade e carinho. Esse tratamento,
generoso, quasi maternal, não impediu que se tornasse de mãos instintos,
ingratos, entregando-se cedo ao jogo, a embriaguez e a outros vícios.
Admoestado frequentemente, mas com brandura, por sua Senhora, criou-lhe ódio, e
um dia enfurecido, prostou-a morta com bordoadas. Foi isso em 1833, tinha então
25 annos o miserável, predestinado a vida medonha e abominável”. Assim, “Preso,
julgado e condenado a morte, recolhido a cadeia de Ouro Preto, foi a pena
comutada na prisão perpetua de acordo com ele com a obrigação de servir de
algoz em Minas a outros miseráveis condenados a forca”.
Fortunato dizia-se “empregado publico” no seu oficio de executor da
justiça. Falava que as primeira execuções lhe repugnaram, principalmente se
eram mulheres que ia enforcar. Quanto aos homens ficou habituado logo e cumpria
essa obrigação insencivelmente.
“Contava sempre que, de ordinário, os sentenciados revoltavam-se contra
os sacerdotes que buscavam suavisar-lhes os tristes e últimos momentos”.
Dizia mais “que, nos oficio dormia em comum com os demais presos,
inclusive aquele que tinha de enforcar. Mas, certa vez, estando na cadeia de Pitanguy,
um desses sentenciados a morte deu-lhe, durante o sono profundo das navalhadas,
desde então ficou sempre separado dos presos condenados a morte”.
Tudo isso contava esse negro boçal, como diz Xavier da Veiga, no seu cinismo
inconciente, afecto ao mais repugnante e hediondo viver, falando
indiferentemente dos próprios atos, com jatancia mas sem vexame.
Notava que devendo o “emprego” ser-lhe rendoso pagavam-lhe mal.
“Fortunato era alto, musculoso, ainda forte em 1877 quando morreu,
apezar dos seus 69 anos, dos quaes 44 de prisão, passou na cadeia de Ouro Preto
grande parte, onde faleceu, após ter realisado 87 execuções judiciária” durante
sua própria vida, até 1874, época em que foi abolida a pena de morte no Brasil,
conforme relação que fornecera ele próprio.
Queixava-se no fim da vida, de reumatismo.
Dizia que “se obtivesse a liberdade iria viver socegado em algum canto”.
Segundo o seu relato exerceu seu horroroso oficio em 29 localidades de
Minas e duas na Província do Rio de Janeiro, em cuja sombria resenha de suas execuções
está uma única em Pouso Alegre.
Basta considerar que a pena de morte foi extinta em 1874, sendo que
durante todo seu vigor Fortunato foi o único algoz oficial de Minas. Morrendo
nesse posto em 1877, antes ele relata as 87 execuções feitas em diversas
localidades mineiras, onde conta uma em Pouso Alegre.
Diz Xavier da Veiga: “Fortunato era acusado de ter enforcado seus pais
em S. João del-Rei, ele protestava dizendo que taes execuções foram feitas por
seu antecessor Antonio Rezende e todas demais execuções desde 1833 em Minas
foram feitas por ele”.
Essa declaração por si só, nos convence de ter sido a execução de
Antonio Congo a única feita em nossa terra, sobretudo quando sabemos que só as
vilas podiam ter forca, e esta só apareceu aqui (depois da criação da Vila em
13 de outubro de 1831) em 4 de janeiro de 1835 quando se instalou pela primeira
vez o júri de sentença, de acordo com a lei que o criava nos municípios.
Estas são finalmente as noticias sobre a lúgubre existência aqui vindo
em 1874, a requisição do Juiz Municipal Julião Florencio Meyer, por intermédio da
Câmara, para esse triste mister, ganhando apenas 1$021 reis por essa execução,
conforme autos findos existentes no cartório crime desta cidade.
Assim, unicamente devido a abominável lei da pena de morte de tão triste
lembrança, como bem disse Xavier da Veiga: “esse miserável, esse desgraçado,
esse prescrito anônimo das alegrias e da luz!... tinha também uma alma obscurecida
pela ignorância, pela fatalidade de um instinto irreprimível, foi se enegrecendo
progressivamente cada dia internando-se mais e mais na zona tenebrosa, supremamente
infeliz no seu irremediável destino”.
De quase meio século de cárcere e de objeção incomparável um oficio
sinistro! Que ainda se fala em restaurar no Brasil.
Extraído do Jornal “A Cidade” 05/05/1936, p. 2, por
Eduardo Amaral de Oliveira
*Escrito como no original
Os autos deste processo ainda existem?
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