Você conheceu o “Mineiro”? Era um pobre diabo que
vivia pelas ruas da nossa Pouso Alegre. Quem, nascido nos primórdios deste
século, não brincou com o “Mineiro”? Lembro-me ainda, e parece-me vê-lo agora,
na hora do almoço e do jantar, com aquela barba ruiva e cerrada, com aqueles
cabelos crespos, sentado na soleira da porta da minha casinha, lá na Rua do
Brejo, muito gordo, coçando a cabeça ou tirando “bichos-do-pé” e, a toda hora,
chamando o “estrepinho” para que fosse buscar a sua “boia”, pois tinha de ir
comer em outros lugares. Um verdadeiro Pantagruel. E, assim, ele passava o dia,
de porta em porta, sempre comendo. Depois ia procurar caixas de fósforos para a
sua FABRICA de castiçais lá em baixo do coreto do Palácios do Bispo, onde tinha
como única companhia uma arara muda e enfezada que nunca disse uma palavra
siquer. Mas... quem era “Mineiro”? Pouca gente sabia que um dia ele deixou a
boa terra, a Baía de São Salvador, do Senhor do Bonfim e apareceu neste recanto
sagrado de Minas. Como, para nós, quasi todos nortistas são baianos, ele
contrariou a regra. Era baiano e ficou “mineiro”. Seu nome? Ninguém soube. Para
que? Chamavam-no “Mineiro” e ele atendia. Era o bastante. Uma das suas manias,
além dos castiçais de caixas de fósforos, era lavar o nariz, para aspirar, tudo
o que achava. Um pau de fósforo, um cavaco de pau ou de vidro, ia logo às
narinas largas para cheirar. Todas as tardes, lá na vargem da Câmara estava ele
revolvendo o lixo que o Arlindo deixava, cheirando tudo que pegava. Um dia ele
achou um vidro fechado. Abriu-o e levou-o ao nariz, tombando desacordado, para
recuperar os sentidos e... perder a razão daí há pouco. E o “Mineiro”
inofensivo, o “Mineiro” que vivia rodeado de “estrepinhos”, passou a fazer
medo. Levaram-no para Barbacena,e disseram, mais tarde, que ele havia tomado o
famoso “chá da meia noite”.
Muita gente sentiu a morte do “Mineiro”... Mas, ele
não morreu. Alguém, visitando aquele hospício, ao passar por um cubículo, ouviu
uma voz conhecida chamando-o: “Estrepinho... oh! Estrepinho”,. Era o “Mineiro”.
Perguntou de tudo e de todos... queria noticias de Pouso Alegre... da sua
garotada. Eu sei que este alguém, ao se despedir de “Mineiro”, ao apertar as
suas mãos, tinha os olhos marejados de lagrimas. O “Mineiro” não estava mais
louco... mas estava abobalhado, sem, contudo, esquecer do seu Pouso Alegre e da
sua gente... e ele nunca mais voltou. Teria morrido mesmo? Faz tantos anos... e
é por isso que somente aqueles que nasceram nos primórdios deste século, sabem
quem foi o “Mineiro”, e ainda sentem saudades dele, por que ele faz parte da
nossa infância...
*Extraído do Jornal “A Cidade”, 16 de Janeiro de
1949, José Ribeiro da Costa.
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